segunda-feira, abril 15, 2013

Interiorização.

(Imagem: Google).

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Estávamos eu e a solidão em um desses passeios de quebrar horas. E ríamos de alguns pássaros e seus voos desajeitados, iniciais balés. Um ou outro vento contrabalanceava o silêncio de dentro e as lembranças oscilavam canções.
No fundo estávamos à espera de que alguém sorrisse e o diurno sonho nos arrancasse um gemido de alívio. No imenso jardim de borboletas peraltas, ao fundo, uma quebrantava as cores com o seu borboletar azul. Talvez por ser a cor algoz do meu pensamento uma arma para os dias cinzas.
Dias transcorriam em círculos a memória editada diversas vezes no caderno de anotações a um passo da vida que se faz visível ao apelo dos cegos. E caminhávamos inertes em busca do caminho mais a frente. Não era incomum sentarmo-nos com as ruínas de um paraíso ou colecionar pequenos restos de um inexplicável futuro, a fortaleza dos deuses mentais de cada um.
E seguíamos tão abstratos que nos víamos concretos alicerces da chuva em nossos cabelos de pó no circo de tenda sem fim.
Os esquadros emoldurados cintilavam qualquer coisa de magnífico e lá éramos felizes como nos poemas em que a água faz o seu percurso e mais naturalidades. Ogivas de percepções no espaço segmentado de um arvoredo sentenciado ao machado. Mas para que crer em estupefação? Hora ora de ir embora e a sacola humana na arquibancada do poço sem um mínimo grito de adeus. Sem a continência dada ao mais.
Embolsei minha companheira nos fios rasgados de minhas ideias e prossegui sozinha, ela falava muito de coisas que eu havia esquecido. Solidão sem solidão é algo extremamente ilógico, mas ela continuava o passeio - sem ver o que eu via. Coadjuvante de crimes e pecados não praticados. Boa e má menina assentada no alto de um bolso remendado.
E foi em um desses passos maiores que as pernas podem acreditar, que eu penso que ela ficou na estrada. Um descortinar de bem estar provocou o sorriso esmagado. A luz afastou, devagar, o sombreado da noite quase implorando mais um pouco de dormência. Rodopiei até o sol ferir-me a carne, os olhos cansados choraram vertigens e, em minha lucidez do domínio incauto regressei a passos curtos. Lá estava ela com braços de erguer o novo mundo, com promessas de encontros. Não hesitei alcançá-la. Fizemos amor e nos re-afirmamos eternas confidentes. O caminho parecia longo. As flores abriam-se em perfumes, os pássaros continuavam suas viagens e a música dos livros renasciam. Agarrei-me a ela. Pela primeira vez eu sentia-me inteira com minha solidão. E tomadas de cumplicidade passeávamos a beleza da vida.

Eliane Alcântara.

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