terça-feira, abril 23, 2013

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(Imagem: Google).

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O frio de certa forma contaminava de pensamentos o ar e caminhávamos com os dentes expostos. Um sorriso sincero de uma alegria inexplicável. Talvez o veneno dos dias em que não sorríamos tanto. Ou ainda aquele lado louco que temos de sorrir e de chorar sem questionar essas sensações maximizadas no interior.  Um pouco da dor de não entender tudo e mesmo assim agarrar-nos ao todo que fazemos habitação.
Um verso tímido com desejo de expansão jogava com as caricaturas que o tempo imprime na memória e um suporte de ontem em superioridade indefesa beijava o momento já ido na leveza de mais sorrisos. Detalhadamente as rugas, essas construções de vida, pincelavam lembranças dos passeios a cavalo, da liberdade de serem as pernas que corriam. A crina que bailava e os olhos que tudo viam com a simplicidade de não aceitarem o cabresto.
A menina do silêncio, das conversas com gatos e árvores perseguia o nada onde tudo estava dentro e a imensidão era abismática e apaixonante. Havia alguns contos de fada e outras histórias de vida da avó. O livro Pérolas Esparsas que a cada noite trazia um novo ensinamento que a construía e a levava a questionar porque os homens se perdiam onde o encontro era um abraço ao interno. Aquele afago a alma de criança que surgiu para permanecer assim, pequena aprendiza do enigmático. Mais do que um forte uma pequena árvore em um penhasco onde os ventos forçavam e as raízes tinham que ser mais fortes que a natureza do ar. Uma menina/mulher com os olhos a armadilha perfeita para capturar o bem e realizá-lo.
O colo da tia e o pedido interminável de que ela lesse mais e mais o livro que não recordo bem o nome, mas parecia ser O gato vermelho, presente da professora da primeira série. A tortura na cabeça da avó para que ela assentasse na mesa da cozinha e contasse coisas do mundo. As noites longas observando a outra tia arrumando para sair e um buraquinho na madeira em frente ao espelho onde o seu salto agarrava-se vez ou outra e ela o retirava com certa delicadeza que me fazia querer crescer para herdar aquela feminilidade. A tia dos cabelos longos que eu só via quando ela os soltava para dormir e os penteava antes; cabelos negros até os joelhos feitos para a noite. A tia que contava do seu primeiro e único namorado, ex-marido que creio eu ela amou até fim. O sonho com as férias onde a outra tia chegaria com a família e um mês se passaria em brincadeiras com os primos. Uma prima que gostava de brincar comigo de boneca arranjando-me os cabelos, um primo que gostava de irritar-me e outro mais velho que me mimava e defendia-me como se eu fosse de louça. As orações para que Deus curasse o meu irmão paralítico para que ele sentisse como era bom andar e fazer artes. A inocência na bagagem e tantas outras coisas revistas em outro futuro texto.
E ali estávamos eu, a solidão, algumas lembranças e uma infinita alegria no topo do encontro com a vida.  Isso fazia-nos sorrir contra o frio da saudade, afinal vivíamos, recapitulávamos o que oferecia algum sentido. Esse foi e é um dos tesouros que meus eus em um não deixam o tempo apagar. Eu sou feita de pedaços que se encaixam nesses sorrisos de agora. Sou tantas em uma e a cada segundo aprendo a compreender isso.
Prossigamos. A vida tem mais surpresas. Até mesmo o esquecimento. Então que fique registrado tudo o que nos move.
Não importa se essa alegria de hoje será tristeza amanhã, eu sou filha das mutações. E se amanhã o dia estiver seco talvez choremos para fertilizar outra razão para sorrisos. Não caminhamos o impossível criamos situações para superar-nos – eu e minhas emoções, amigas daquilo que permanecerá incógnita, o (s) eu (s).

Eliane Alcântara.

terça-feira, abril 16, 2013

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(Imagem: Google)

Hoje saímos a três...

Hoje saímos a três. Eu, minha amante solidão e a melancolia. Adentramos um dia cheio de realidades fictícias. As casas e os prédios pareciam tão altos quanto havia de sonho em nós. Alguns carros com seus motores pensantes em rodar conduziam mais dos apressados para algum lugar que não nos cabia saber, embora o pensar criasse várias situações. Íamos com o vento fresco, quase frio em suas propriedades epidérmicas de invisibilidade. O que víamos agarrava-se ao sentir. Eu sentia cócegas de sorrisos e envolvia-me em gargalhadas de insetos sobreviventes do anterior anoitecer. Não éramos um apanhado de coisas táteis ou corpos embevecidos nos copos que os bares reluziam convidativas confusões. Fechamos a cortina do óbvio. É tão simples doer pelo irreal que não nos é impossível acreditar tudo uma imensa e supérflua realidade.
Afastamo-nos até onde os interiores misturavam-se e víamos mais do que as aparências forçadas da mente em cultivar um intelecto errôneo. O outro em sua programação domingueira escorria pelos outros dias a repetição de uma sentença, quando não nos era esperado algo fora de nós. A solidão esforçou-se em uma sacudida e estávamos outra vez sozinhas, repletas de nós, de tudo o que nos cabe nesse pedaço de construção. De certa forma transpúnhamos o comum. Vagávamos a passos necessários o pódio dos deuses recriados conforme a necessidade de invenção. Entenda, a invenção é só uma forma de nos prepararmos para o que determinados alcançaremos.
Temporariamente havia tempestades. Carbonos imprimidos no desafio de navegarmos até a clareira dos olhos d’alma. Um sombreado de ser triste para entender o quão se pode ser feliz. Não usávamos capas de chuva, proteção alguma contra o natural a efetivar-nos no galopante tempo de colheita. E a vida passava assim, tão despercebida, tão concentrada. Tão menina nos ossos velhos de quem percorria as fogueiras que cada um possui porque nós as criávamos ali. E colhíamos amor, não do outro. E colhíamos felicidade, não através do outro. Tudo na bagagem a ser aberta no segredo das confissões sem terceiros.
Um agoureiro pássaro piava um defeito, uma lacuna a ser preenchida com o desprendimento. Quanto mais vazias mais cheias estávamos de tudo o que nos era compreendido transbordar. A biblioteca do silêncio incitava-nos ao mergulho. Primeiro abríamos com as mãos limpas o lamaçal do limbo de nossos medos e ríamos atoladas em nossas ilusões a pureza de escorregar umas três lágrimas límpidas em contraste a cena. Nada era tão terrível quanto o molde que nos impuseram para crermos em contos de fadas. Nada era mais assustador do que descobrirmo-nos causadores do que não existia. O barqueiro em sua posição esfregava as mãos para que nos afogássemos ou para que implorássemos a sua ajuda. Em revolta nós três debatíamos. Recusávamos mais de fora. Era-nos vigente a glória solitária. Um encontro íntimo do eu com suas funções. Nadávamos os monstros, as serpentes e os lobos raivosos dos livros de infância, dos catecismos e até dos gibis. Da sua barca o barqueiro parecia interrogar-se enquanto o sol resplandecia e sua imagem difundia-se na imensidão do ser. Nada além do belo permanecia e esse belo éramos nós em descoberta.
Revigoradas estávamos do outro lado de nós mesmas. Do lado que queríamos estar. Sem esperarmos aplausos, sem ouvi-los se existiram. Eu, a solidão e a melancolia, damas itinerantes de outros sentimentos vestidos de sensações que ousassem perturbar-nos nos encontros a que nos entregávamos para a completitude una.
Nenhum homem é verdadeiramente homem quando não aprende a cultivar suas vicissitudes.

Eliane Alcântara.

segunda-feira, abril 15, 2013

Interiorização.

(Imagem: Google).

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Estávamos eu e a solidão em um desses passeios de quebrar horas. E ríamos de alguns pássaros e seus voos desajeitados, iniciais balés. Um ou outro vento contrabalanceava o silêncio de dentro e as lembranças oscilavam canções.
No fundo estávamos à espera de que alguém sorrisse e o diurno sonho nos arrancasse um gemido de alívio. No imenso jardim de borboletas peraltas, ao fundo, uma quebrantava as cores com o seu borboletar azul. Talvez por ser a cor algoz do meu pensamento uma arma para os dias cinzas.
Dias transcorriam em círculos a memória editada diversas vezes no caderno de anotações a um passo da vida que se faz visível ao apelo dos cegos. E caminhávamos inertes em busca do caminho mais a frente. Não era incomum sentarmo-nos com as ruínas de um paraíso ou colecionar pequenos restos de um inexplicável futuro, a fortaleza dos deuses mentais de cada um.
E seguíamos tão abstratos que nos víamos concretos alicerces da chuva em nossos cabelos de pó no circo de tenda sem fim.
Os esquadros emoldurados cintilavam qualquer coisa de magnífico e lá éramos felizes como nos poemas em que a água faz o seu percurso e mais naturalidades. Ogivas de percepções no espaço segmentado de um arvoredo sentenciado ao machado. Mas para que crer em estupefação? Hora ora de ir embora e a sacola humana na arquibancada do poço sem um mínimo grito de adeus. Sem a continência dada ao mais.
Embolsei minha companheira nos fios rasgados de minhas ideias e prossegui sozinha, ela falava muito de coisas que eu havia esquecido. Solidão sem solidão é algo extremamente ilógico, mas ela continuava o passeio - sem ver o que eu via. Coadjuvante de crimes e pecados não praticados. Boa e má menina assentada no alto de um bolso remendado.
E foi em um desses passos maiores que as pernas podem acreditar, que eu penso que ela ficou na estrada. Um descortinar de bem estar provocou o sorriso esmagado. A luz afastou, devagar, o sombreado da noite quase implorando mais um pouco de dormência. Rodopiei até o sol ferir-me a carne, os olhos cansados choraram vertigens e, em minha lucidez do domínio incauto regressei a passos curtos. Lá estava ela com braços de erguer o novo mundo, com promessas de encontros. Não hesitei alcançá-la. Fizemos amor e nos re-afirmamos eternas confidentes. O caminho parecia longo. As flores abriam-se em perfumes, os pássaros continuavam suas viagens e a música dos livros renasciam. Agarrei-me a ela. Pela primeira vez eu sentia-me inteira com minha solidão. E tomadas de cumplicidade passeávamos a beleza da vida.

Eliane Alcântara.

sábado, abril 13, 2013

Vaso Chinês: Defeitos.




"Uma velha senhora chinesa possuía dois grandes vasos, cada um suspenso na extremidade de uma vara que ela carregava nas costas. Um dos vasos era rachado e o outro era perfeito. Este último estava sempre cheio de água ao fim da longa caminhada da torrente até a casa, enquanto aquele rachado chegava meio vazio. Por longo tempo a coisa foi em frente assim, com a senhora que chegava em casa com somente um vaso e meio de água. Naturalmente o vaso perfeito era muito orgulhoso do próprio resultado e o pobre vaso rachado tinha vergonha do seu defeito, de conseguir fazer só a metade aquilo que deveria fazer. Depois de dois anos, refletindo sobre a própria amarga derrota de ser 'rachado', o vaso falou com a senhora durante o caminho: 'Tenho vergonha de mim mesmo, porque esta rachadura que eu tenho me faz perder metade da água durante o caminho até a sua casa...' A velhinha sorriu: Você reparou que lindas flores tem somente do teu lado do caminho? Eu sempre soube do teu defeito e, portanto plantei sementes de flores na beira da estrada do teu lado. E todo dia, enquanto a gente voltava, tu as regavas. Por dois anos pude recolher aquelas belíssimas flores para enfeitar a mesa. Se tu não fosses como és, eu não teria tido aquelas maravilhas na minha casa.

'Cada um de nós tem o próprio defeito. Mas o defeito que cada um de nós tem é que faz com que nossa convivência seja interessante e gratificante. É preciso aceitar cada um pelo que é... E descobrir o que tem de bom nele. Portanto lembre de regar as flores do seu lado do caminho".

(Texto e imagem retirados da internet).

quarta-feira, abril 10, 2013





Venho despedindo-me de raízes que por falha infiltraram-se no anagrama de minhas peripécias onde não resultavam no arranjo de novas frases. Há muito chão molhado para poucas e repetidas canções, abro-me ao novo com a bandeira do sempre. O mesmo amor com cores mais nítidas, reverenciadas a pureza que habita-me sonhos infantis.
O vislumbre dos palcos apagados sussurram-me violetas estranguladas e novas sementes destemidas no infértil solo da impaciência rompem nova esperança. Eu gosto de observar o improvável e o rústico em seus febris estados de reanimação. Há quem olhe com olhos dos mortos e há que colha com a mão dos ceifadores capacitados. Algumas raízes entortam-se, moldam-se porque nasceram para florir onde antes não havia a chance de flores. Enquanto outras adormecem e esperam o fim. Deixo todas cumprirem suas façanhas, mas ceifo aquelas desnecessárias com a mesma força que cultivo as determinadas. O meu foco é o essencial embora não esteja livre das daninhas ervas rastejantes – que também possuem o seu instante de flores.
Faz alguns dias li algo a respeito do bem e do mal. Um texto do qual guardei apenas algo que mais ou menos dizia que devemos compreender que o mal não pode existir se nós não o praticarmos. Isso rodeou-me os pensamentos. O que é o mal quando tantos nem sabem o que é a união diretamente ligada ao respeito aos credos, raças e ideias? O que é o mal quando eu não sou capaz de ouvir, de acolher aquilo que diferente de mim também respira e cumpre sua sentença? Ando meio farta da língua de muitos. Usam-na tanto e os ouvidos parecem estar tão acostumados a nada que suas funções andam neutralizadas. Ouvir e mergulhar em uma única frase já não é mais interessante, as pessoas estão desenvolvendo o raciocínio rápido, é a evolução. Raciocínio rápido, pura ironia. Estão é armadas sem saber que manipuladas atacam somente o que não compreendem e o que não condiz com a sua forma de pensar. Robóticas em suas rotinas monitoradas seguem o padrão esperado por alguém. Quem? Talvez o raciocínio lento, sutil, responda com diferentes respostas a cada um.
Observe suas raízes, suas ervas. Solucione o imperdoável com um sorriso. Esqueça o momentâneo para que ele ao ressurgir encontre-o preparado. Silencie-se até ouvir não você e sim o outro. Use a divindade que o mantém vivo para ver as estrelas, o fogo através da fumaça. Nada é somente esse descampado ao qual visualizamos. Dentro, no mundo das ideias que criamos e que nos criam há mais do que os sentidos tem captado. Não deixe que raízes, intrusas raízes, façam do templo que é você restos, ruínas ambulantes, aparências ilusórias. Destrave-se. Acorde os olhos que valem a pena existir. Os olhos d'alma.
E o que os dias sejam de Luz clareando o oculto.

Eliane Alcântara.